Na casa da cidade, recanto de aldeia. Toalha de linho e renda, Enfeitando improvisado altar. Ao centro, singelo crucifixo, Ladeado de pequenas jarras, Em cheiros de alecrim e rosmaninho. Tacinhas de amêndoas em oferenda, Coloridos ovos bem juntinhos, Folar, aconchegado em ninho. Não há junco à porta, ninguém abençoa... Família em aromas de Páscoa, Desenho de memória a tradição.
Sentir hoje e sempre, os sinais de há muito... De profunda, serena e infinita saudade... Sei-me pedaço do seu ser , do seu espírito... Marca em ferrete assim deixada... Em cada pequena coisa, sua memória... A cada passo sua lição de vida... O permanente ensejo de o honrar... A tranquila serenidade de o sentir... Avô, padrinho, companheiro, amigo... Feito anjo eterno sempre a cuidar...
ao Avô Macieira, gigante a meus olhos, com quem passeio, de mãos dadas, todos os dias, a escutar o existir ...
Estou sem cor... Sinto-me de preto a sonhar em branco... A Primavera a chegar e eu sem cor... Assim, tristonhamente descolorida... Não posso mergulhar em arco-íris de sonhos... Que cor deveria ter o meu sentir...?
A cor de quem olha o planeta é azul, O fundo infinito do universo é azul, A realeza de algum sangue é azul, O tom unissexo e democrático do vestir é azul, A delicadeza da roupa do bebé é azul, A beleza infinita do mar e do céu é azul, Um riscado de sombra no calor do areal é azul, Um toque de vida na brancura das casas é azul, A arte feita em quadradinhos de loiça é azul, O traço de cor que decora a porcelana é azul, A escrita bonita desenhada em aparo é azul, O aroma inconfundível do jacinto é azul, Um sonho de uma noite estrelada de verão é azul, O ritmo da música a entrar no ouvido é azul, Quem disse que me falta jeito para o azul, Se tão bem me sinto em passeios de azul...
Instalada no fundo do coração e da alma... Uma espécie de solidão que não vai embora... Não foge de entes, de amigos, de gente... Na serenidade dos pensamentos... No ermo dos sentidos... só!
ainda a estrela (tem muito que dizer a nossa estrela)
Ser como que porto de abrigo, é bom mas não chega... Gente que aporta ansiosa de tudo... Mas descansa, reconforta-se, ganha forças e parte... Ao porto voltam em visita, saudosos amigos... Mas seguem de novo a maré da vida... Na quieta frescura de uma noite de luar... Gaivota solitária, escutando o mar em murmúrio... Olhando o céu matizado, viu cintilante estrela... Sem saber do destino, Carente de rumo... Pediu em sussurro angustiado... Minha estrela guia... mostra-me o norte...
sinto, desajeitada gaivota deambulando à beira mar...caminhando...
Sonho-me em porte elegante e voo sereno... Planando a infinita liberdade do céu e do mar... Sinto o calor e a alegria estonteantes do sol... Saindo da ilusão da alma, do pensamento dos sentidos... Vejo-me gaivota desajeitada na areia molhada... Sei-me afinal sem beleza, tão diferente do sonhar... Pena-me a dor de asas feridas... A falta de graça no mais simples deambular... Caminhante, não pares para me olhar... Segue a beleza do voo daquelas gaivotas... Não escutes a angustia do grito de um penar...
Como eu o céu está triste, Mas recusa-se a chorar... Chorar não é vergonha... O coração transborda de tanta coisa... Da tristeza da alma, Do sorriso dos lábios, Do aperto na garganta, Da ternura do olhar, De tanta coisa sentida... Sequiosos de teu pranto, Te sussurramos céu... Chorar não é vergonha...
Ali sentado a meu lado... O vagueante olhava-me meio espantado... Maior espanto era o meu, Perante o inusitado... Tantos e tão preciosos seixos, Lhe mostrava o mar... E ele ali, sentado a meu lado... Escura pedrita, tristonha, Para ali abandonada... Não me atires ao mar Vagueante, não obrigada. Trazida pelo mar, Não desgosto do meu Sereno rolar... Cruzo-me com outros seixos Em se vaguear... Sinto-os, sorrio-lhes, falo-lhes Do meu rolar... Sou pedra algo gasta, atenta, e Gosto de conversar... Continuas aí sentado a meu lado...? Sim, eu deixo, se te apetece Podes-me agarrar... Mas não me imagines a olhar-te feita pisa-papéis... Mete-me no bolso e Sente-me... Pequenina pedra com vida... Avistando o longe, do meu lugar...
Lágrima a lágrima se desata a alma, Sorriso a sorriso se revela o olhar, Sussurro a sussurro se escuta o coração, Odor a dor se desperta o sentir, Ilusão a ilusão se sente a carícia, Arrepio a arrepio, nos fala o corpo... Gota a gota se olha o universo dos sentidos, ou se pinta um...
Confundidos os elementos, Desordenada a alma, Em alucinação de ideias, Babel de palavras, Trapalhadas de cores, Vozearias de ausentes, Balbúrdia de gestos, Ilusão dos sentidos, Alzheimer dos sonhos A viver memórias antigas, De caos em caos... Até à vertigem final.
Decrépitos jardins suspensos de uma velha cidade, Escondem cartadas, gastas, sofridas. O sol não entra na ruína da idade, A lua não espreita naquela escuridão. Na nesga de céu, não se vislumbram estrelas. Do tecto das copas, caiem pedaços de mágoa, Pingam goteiras de desespero, Recolhidas por um corpo gasto, Preso nas raízes de um enxerga. De árvores secas, envelhecidas, Soltam-se caducos gemidos de já pouca vida...
De quando em vez, subam ao sótão da alma e surpreendam-se, abrindo o baú da memória; Retratos antigos, são histórias de vidas. Livros velhinhos, têm histórias de encantar. Cadernos amarelecidos, mostram histórias de infância. Cartas tão atadinhas, escondem histórias de amor. Roupas desprendendo aromas, lembram histórias delicadas. Pequenos objectos esquecidos, são tesouros de histórias de criança. A caixinha de música, toca histórias em rodopio. O velho estojo de pintura guarda, histórias de cores adormecidas. Aquele diário esquecido, tranca histórias em segredo. Pequeníssimo espelho gasto, reflecte histórias de sonhos... Sorriso terno no rosto, histórias voando no tempo, Quantas memórias...